quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

1808 - Laurentino Gomes



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Após terminar a leitura desta obra decidi redigir um resumo de seus principais pontos e disponibilizar aos interessados. Há meu ver este é um grande projeto, riquíssimo em detalhes e relatos da época que nos mostram muito além da vinda da corte portuguesa para o Brasil, nos traz o cotidiano dos mais diversos personagens desde o mais humilde escravo até o nobre Dom João VI. É impossível conhecer este texto e não se apaixonar de imediato, ele é simples, esclarecedor, verdadeiro além de lindamente ilustrado. Espero que não se contentem ao ler meu humilde ensaio e leiam a obra por completo, afinal são quase 400 páginas de muita sabedoria histórica. Fica aqui minha dica de leitura.
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1808
Laurentino Gomes
A possibilidade de transferência da corte portuguesa para o Brasil já havia sido considerada várias vezes anteriormente devido a outros motivos.
Portugal era uma antiga potência, atrasada, caótica, extremamente religiosa, e carente de infra-estrutura básica, sequer havia criado cemitérios públicos. Sua frota marítima se encontrava em frangalhos, sua população era relativamente pequena, e agora servia somente como um entreposto comercial, pois as riquezas vindas de suas colônias tinham destino certo: as indústrias inglesas, e o pouco lucro que gerava eram abduzidos pelos exageros da corte.
O próprio príncipe, D. José que deveria assumir a coroa no lugar de sua mãe, D. Maria I, morreu de varíola aos 27 anos, pois a rainha o proibiu de tomar a vacina contra a doença. Esta é uma comprovação do quanto àquela população era carola, optando por morrer conforme a “vontade divina” a renderem-se as conquistas científicas. Não podemos esquecer que Portugal foi a última nação européia a abolir a Santa Inquisição.
Quando desobedece a imposição de Napoleão Bonaparte mantendo o comércio português com a Inglaterra, o príncipe regente D. João VI estabelece um jogo ilusório, tentando se manter imune entre as potências francesa e britânica. Mas não obtém sucesso. A marinha inglesa já aguardava no cais e caso a corte não embarcasse para as Américas sobre sua escolta tinha ordens para bombardear o país lusitano.
Ao embarcar no dia 29 de novembro de 1807 a corte segue para nosso país com a escolta da poderosa marinha britânica trazendo seus tesouros (inclusive o ouro empregado nas construções), líderes políticos, religiosos e também bens públicos como os da biblioteca nacional. A maioria dos exemplares acaba esquecida no porto de Lisboa devido à pressa do embarque já que as tropas de Napoleão estavam se aproximando, tropas estas que se encontravam famintas e em frangalhos e poderiam ser vencidas pelo exército português caso D. João resolvesse enfrentá-los.
Essa fuga é um fato inusitado na história, pois pela primeira vez em toda a História uma Corte iria colocar os pés em sua colônia.
A viagem se prolongou devido ao mau tempo e apesar da insistência D. João não aceitou viajar nos navios ingleses (modernos e confortáveis). A corte foi separada em diferentes naus para que, no caso de uma possível catástrofe, alguns membros reais sobrevivessem. Foi uma travessia muito cansativa, longa e repleta de adversidades como a falta de comida, de água, de conforto, e excesso de pragas como piolhos (que levaram a maioria das mulheres a rasparem seus cabelos). Durante uma tempestade os navios acabaram se dispersando na altura do continente africano e tiveram de seguir viagem separadamente.
No dia 22 de janeiro de 1808 a embarcação que trazia D. João abarcou no território baiano e não foi recepcionado como imaginava. Os motivos que levaram a essa escala de última hora em Salvador provoca muitas dúvidas até os dias de hoje, mas a maior probabilidade é a de que o príncipe regente desejava conquistar o apoio desta região que até então era um importante centro comercial e político, a fim de assegurar sua permanência no país. Os líderes baianos estavam descontentes com a transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, então era preciso acalmar os ânimos.
As terras que encontraram eram extensas, fragmentadas, mal exploradas, pouquíssimo habitadas, não usava moeda corrente, não possuía meios de comunicação entre as províncias, a imprensa não tinha liberdade (devido aos transtornos causados pelos ideais da Revolução francesa que vinham se propagando), o modo de vida e costumes eram simples demais sem qualquer sinal de sofisticação, não havia fossas (eram usados os negros “tigres”) e o povo era mal educado. Além disso 2/3 da população era negra, liberta, mulata ou mestiça o que tornava o local ainda mais repugnante aos olhos portugueses. Não existia sequer médico, o oficio era exercido por barbeiros que após medicar por quatro anos conquistavam tal título. Ainda assim a colônia era mais rica do que sua metrópole.
D. João será reconhecido por trazer a bondade ao país por seu longo ritual do beija mão. A chegada da nobreza irá melhorar aos poucos a cidade de Rio de Janeiro.
Padre Perereca será um grande observador da estada real na colônia, foi um escritor atento, curioso e bajulador de sua alteza real.
No dia 7 de março de 1808 toda a família real chega ao Rio de Janeiro que contava com 60 000 habitantes. A recepção da corte foi feita com toda a pompa possível. Mas o local não possuía infra-estrutura para abrigar tantas pessoas, cerca de 10 a 15 000 indivíduos, então as casas começaram a ser confiscadas para o uso da corte: as letras PR (Príncipe regente) eram colocadas nas portas e isso indicava que os moradores deveriam sair imediatamente de sua morada e deixá-la para um recém chegado português, em troca receberia um valor anual estimado, o que raramente era cumprido. Além disso, os impostos sofreram grandes aumentos, pois agora era preciso arrecadar muito mais para poder sustentar o ócio dos milhares de nobres recém chegados.
Em 1811 o arquivista real Luiz Joaquim dos Santos Marrocos chega ao Brasil trazendo consigo os bens da biblioteca esquecidos no cais de Lisboa.
D. João era gordo, bonachão, preguiçoso, feio, depressivo e religioso. Há a suspeita de que tenha mantido um caso homossexual com Francisco Rufino. Casou-se a força aos 17 anos por meio de uma procuração com Carlota Joaquina, na época com 10 anos. O único amor de sua vida foi uma serviçal chamada Eugenia. Tinha medo de trovoadas e crustáceos. Não gostava de banhos nem de roupas novas. Referia-se a sí mesmo em terceira pessoa pelo título de sua majestade. Era repleto de hábitos estranhos, um deles era o de carregar asas de frango nos bolsos do casaco. Contou com o apoio de Conde de Linhares, Conde da Barca e Villa Nova em suas decisões político-administrativas. Apesar de tantas esquisitices foi um grande homem, afinal conseguiu manter a coroa em meio as derrocadas reais provocadas por Napoleão e seus exércitos.
Carlota Joaquina era uma mulher feia, beata, teimosa, carola, falante, maquiavélica, infeliz, inteligente, vingativa e ambiciosa. Gostava de cavalgar, conduzia muito bem um canhão, odiava o Brasil e participou de diversos golpes, inclusive contra seu marido: no ano de 1805 durante uma das crises de D.João ela tentou pegar para sí a regência de Portugal o que ocasionou a separação do casal. Suspeita-se que tenha sido infiel, mas não foram encontradas provas de seu adultério. Seu secretário pessoal pode ter sido um de seus amantes e a traiu escrevendo um livro que destacava suas intimidades. Morreu falida; não se sabe ao certo se por câncer no útero ou suicídio, ainda deixou 1200 missas encomendadas, 100 delas pela alma de D. João.
A corte estava falida, mas continuava exagerada e muito cara. Seus serviçais eram corruptos. Para manter a renda é criado o primeiro Banco do Brasil que só favoreceu quem já era rico e acabou falindo. Seu ouro foi levado à Portugal com o retorno da família em 1821.
A prometida abertura dos portos ao comércio estrangeiro beneficiou muito a Inglaterra, pois naquele momento era a única nação européia livre de Napoleão e capaz de manter relações estrangeiras. Os produtos industrializados britânicos chegavam em grande quantidade e baixo custo, alguns eram verdadeiras quinquilharias que jamais seriam usadas nos trópicos, como grossos cobertores e casacos, patins de gelo, espartilhos, entre outras coisas.
Agora que estava estabelecido em solo brasileiro D. João desejava melhorar o país e expandir o território luso, esta último foi uma empreitada mal sucedida. Mas no que diz respeito a melhorar o Brasil o príncipe regente alcançou bons avanços como: a permissão para instalação de indústrias, abertura de estradas, implantação de ensino laico e superior, instalação da imprensa jornalística e a mudança estética nas fachadas dos edifícios. D. João ainda promoveu a Missão Francesa, onde artistas reconhecidos como Debret vieram ao país para promover o refinamento da população. A música era a arte favorita dos cariocas.
A população no Rio aumenta, com isto cresce também a criminalidade, o número de roubos, assassinatos, pirataria nos portos e gangues nas ruas armadas com facas e estiletes. Os jogos e a prostituição embora fossem proibidos eram praticados a luz do dia. O advogado Paulo Fernandes Viana é eleito Agente Civilizador por D. João ficando responsável por mudar os costumes das pessoas e passa a se intrometer em praticamente tudo que acontecia na cidade. A capoeira e as reuniões de negros foram proibidas e as punições praqueles que as praticassem eram severas. O açoitamento em público não foi mais executado. Era comum andar armado nas ruas assim como a prática das pedradas. Espiões foram colocados atrás de estrangeiros para garantir que idéias francesas não fossem disseminadas. Os policiais de Viana ficaram conhecidos como “morcegos” por agirem sempre a noite. A falta de recursos era enorme. A infra-estrutura e serviços de saneamento eram extremamente precários. Até mesmo a natureza da cidade foi alterada por indicações médicas que afirmavam que a existência de morros dificultaria a circulação de ar, por exemplo. Atualmente a geografia pouco se parece com aquela encontrada pelos portugueses no século XIX.
Atualmente os monumentos e locais históricos da época de D. João VI na cidade do Rio de Janeiro estão abandonados ou mal identificados. O maior entreposto negreiro americano que recebia entre 18 e 22000 escravos ao ano, o Mercado de Valongo, simplesmente desapareceu.
A chegada da corte impulsionou o tráfico. Os maiores comerciantes cariocas eram traficantes com lucros astronômicos, extremamente respeitados e influentes na sociedade. Mesmo assim o risco era alto, em média somente 45% dos negros chegavam ao seu destino final. Foi um dos maiores genocídios da história da humanidade. O espaço reservado a cada negro dentro das caravelas era menor do que o de um caixão. Os naufrágios e piratarias também eram um grande problema, por isto foram criadas seguradoras para os navios.
Os escravos eram baratos, acessíveis até mesmo à classe média, e alguns podiam ser alugados. No chamado Sistema de Ganho o escravo vendia seu trabalho a diversas pessoas, havia uma meta a ser paga a seu senhor e o excedente ficava ao escravo, no entanto, caso não alcançasse esta meta, seria punido. Este sistema era vantajoso tanto pro senhor que lucrava e não se preocupava com as fugas, quanto para o escravo que também lucrava e desfrutava de maior liberdade. Algumas vezes o montante arrecadado pelo negro era suficiente para comprar sua Carta de Alforria.
As punições mais comuns eram dadas através do chicote, do tronco e dos grilhões. Não se recomendava que fosse aplicada uma pena acima de 40 chibatadas ao dia, mas existem relatos com até 600 açoitamentos. Esses castigos eram aplicados pelo senhor nos escravos rurais, enquanto que os urbanos eram punidos por policiais, neste último caso o senhor poderia poupar seu escravo pagando à polícia para liberar seu cativo. A lei exigia condições mínimas de sobrevivência aos negros, estes deveriam ser alimentados, vestidos e abrigados pelo senhor o que era muito melhor do que a liberdade na maioria dos casos, já que, uma vez livre, grande maioria era lançado automaticamente a miséria pela ausência de posses e oportunidades.
Graças à abertura dos portos concedida por D. João, que era uma das imposições britânicas pela escolta até a América, o país recebeu diversos viajantes, os quais através de seus relatos transformaram este em um dos períodos mais documentados da história brasileira. Até o momento era o único porto do mundo que ainda se mantinha fechado a estrangeiros. Estes documentos revelam uma corte caipira, uma natureza abundante e um povo analfabeto e desleixado. Para a ciência essa abertura significou um salto quântico devido à vasta biodiversidade descoberta.
O conflito na Península Ibérica foi o primeiro passo para a derrocada napoleônica. O primeiro erro de Napoleão foi eleger Junot como comandante durante a invasão de Portugal, pois ele era um bom combatente, mas um péssimo estrategista. Com a resistência portuguesa e o fracasso sucessório, Junot acaba se suicidando. Embora a repressão francesa tenha sido dura, dada através de uma série de fuzilamentos, tanto Portugal quanto a Espanha continuaram resistindo às forcas franco-napoleônicas. Para os espanhóis foi um tanto mais dramático já que a corte não teve tempo para fugir e acabou deposta. Na segunda fase da Guerra Peninsular Napoleão faz uso de seus melhores generais além da sua própria presença nas frentes de batalha, enquanto que do outro lado a Inglaterra começa a apoiar portugueses e espanhóis. Em outubro de 1809 engenheiros britânicos começam a construir com a ajuda de trabalhadores lusitanos uma seqüência de cem fortificações em torno de Lisboa, as chamadas Torres Vedras, que se revelaram intransponíveis. Daí para a derrota final de Napoleão em Waterllo seria apenas uma questão de tempo.
Cruz Cabugá chega aos EUA em 1817 para unir-se a franceses exilados com a idéia de conseguir apoio americano, comprar armamentos e libertar Napoleão e assim executar a Revolução Pernambucana. Ao retornar ao Brasil com apenas quatro recrutas a revolução já havia sido sufocada pelo exército real; foram presos antes mesmo de desembarcar. Embora derrotado o movimento abalou a corte uma vez que sujeitos muito próximos a ela participaram do levante. A revolta eclodiu em Pernambuco, mas o descontentamento com o aumento abusivo dos impostos era geral em todas as capitanias. O absurdo era tamanho, que se pagava em Pernambuco a iluminação pública carioca, enquanto que Recife se mantinha às escuras. Esta insurreição pernambucana se deu principalmente pela queda do valor do açúcar e às restrições impostas ao tráfico negreiro. As mulheres deveriam raspar seus cabelos para provar a adesão à causa. Os revoltosos ficaram três meses no poder e a bandeira que desenharam é estendida até os dias de hoje em nome do estado. Isolado o governo acabou se rendendo. Quatro integrantes foram mortos, tiveram cabeças e mãos pregadas a postes e seus corpos foram arrastados por cavalos até o cemitério. Os demais foram anistiados por D. João, entre eles o próprio Cabugá. Com as revoltas contidas começava uma sucessão de pompa real no Rio de Janeiro.
O ano de 1818 foi sem dúvida alguma o mais feliz de D. João no Brasil. Sua saúde estava bem, a colônia prosperava e enriquecia, a ameaça de Napoleão era extinta, as conspirações da Carlota Joaquina haviam sido derrotadas, o reino se encontrava em paz e os hábitos haviam melhorado conforme o planejado. Restava a corte, ainda que pobre, festejar e reconstruir o Império nos trópicos. Os festejos se iniciam em 1817 em Portugal, ano do casamento e desembarque de Leopoldina. O enlace matrimonial acontecido em Lisboa entre ela e o príncipe D. Pedro foi um dos mais caros de toda a história, foram gastos cerca de dezoito milhões de reais na cerimônia além dos “mimos” oferecidos aos convidados. Toda a cidade do Rio de Janeiro foi lavada e ornamentada para a chegada da princesa, até mesmo as praias foram limpas. Os ornamentos eram imitações de materiais nobres e foram mantidos para as cerimônias de aclamação, coroação e aniversario de D. João no ano de 1818, embora já estivessem se desmanchando. O cotidiano do novo rei era calmo e repleto de serviçais.
Durante os treze anos em que D. João esteve no Brasil seus conterrâneos passaram muita fome e sofrimentos nas terras lusitanas. No dia seguinte ao embarque da corte um terremoto sacudiu Lisboa. Os agricultores com medo da chegada francesa fugiram para a capital enquanto quem já estava lá enfrentava uma corrida em busca de suprimentos. O general francês Junot prometeu proteção ao povo português. Suas tropas exaustas e maltrapilhas encontraram uma cidade deserta e começaram uma sucessão de saques. Os bens esquecidos nos cais pela corte foram confiscados. Lojas e casas foram arrombadas. Faltava dinheiro em circulação, a moeda desvalorizou e os preços dos alimentos dispararam. Napoleão enganado por D. João impôs serias punições ao reino português. Parte da nobreza acabou se aliando aos franceses, mas o povo resistiu com todas as forças. Portugal perdeu quinhentos mil habitantes em apenas sete anos devido à fome, a fuga e ao envio para campos de batalha. A capital ficou deserta, o povo migrou para o campo em busca de comida. Com a resistência portuguesa e espanhola os britânicos conseguiram furar o bloqueio continental e vencer as tropas francesas. Na Convenção de Cintra o exército francês se propõe a devolver os bens saqueados e retornar a França. Inglaterra e França acabaram dividindo entre sí o butim de guerra, ignorando os direitos portugueses. Portugal com a ausência da corte se tornou um protetorado britânico comandado pelo marechal Beresford com mãos de ferro. Governadores portugueses alertaram D. João do risco de sua permanência no Brasil frente às idéias revolucionárias do general Gomes Freire. Os impostos cobrados para manter a guerra contra Napoleão não foram extintos mesmo com o fim dos combates enquanto que a concorrência com o comércio industrial inglês fez as vendas despencarem. O tratado comercial com a ilha britânica também não foi desfeito e pra piorar a situação D. João não desejava retornar ao país o que lhe foi proposto dois anos após sua partida. Também se negou ao retorno no ano de 1814 quando navios britânicos vieram para buscá-lo. Em 1820 uma série de movimentos passa a exigir o retorno real. Panfletos espalhados pelas ruas descreviam o Brasil como terra de macacos, pretos e serpentes. Caso retornasse D. João poderia perder o Brasil, que com a influência vizinha acabaria declarando sua independência, mas se permanecesse as ondas revolucionárias o fariam perder Portugal. Num primeiro momento pensou em enviar seu herdeiro D. Pedro, mas este não estava disposto já que sua mulher estava prestes a dar a luz, além de que não queria sair das terras onde havia sido criado. Após muita discussão D. João resolveu ir ele próprio, uma atitude surpreendente vinda de um rei medroso e indeciso.
A partir de fevereiro de 1821 uma multidão começa a exigir a assinatura da constituição liberal, mas apesar dessa atitude o rei era respeitado e aclamado por onde passava. Neste momento D. João declara à Pedro que em caso de separação entre a colônia e a metrópole ele gostaria que o Brasil permanecesse nas mãos de seu herdeiro. Treze anos após desembarcar em terras tropicais D. João reembarca aos prantos, acompanhado por somente um terço da comitiva que o acompanhou para cá. Seu retorno deixou nosso país a mingua, todo o ouro do Banco do Brasil foi levado a Portugal.
Após 68 dias de viagem D. João chega a Portugal no dia 3 de julho de 1821, ainda no cais foi humilhado, insultado e submetido a uma série de imposições. Regressava menos rei do que chegara ao Brasil.
O novo Brasil criado em menos de uma década e meia por D. João era mais respeitável. Somente ele conseguiu manter o imenso território unido. A independência brasileira em 1822 se deu mais devido as diferenças entre os próprios portugueses do que pelo desejo do povo brasileiro. O país ainda não estava pronto para se proclamar independente, continuava anestesiado por trezentos anos de exploração colonial. A República não convinha devido as disparidades entre as classes, assim só uma monarquia forte poderia controlar os movimentos separatistas entre as províncias. Ao contrário dos Estados Unidos da América no Brasil o interesse republicano era restrito às minorias, então em 1822 as tensões sociais foram adiadas pela decisão de que o país se tornaria uma república eleita através de votação. O voto era restrito a elite e só servia para manter a aparência republicana, pois logicamente o poder continuaria nas mesmas mãos em que já se encontrava. Em nome das elites a escravidão foi mantida até 1888 quando foi abolida pela bisneta de D. João, princesa Izabel.
O arquivista Luiz Joaquim dos Santos Marrocos aos poucos se adapta ao Rio e passa a amá-lo e lutar pela independência do país, isso faz com que a relação com seus familiares portugueses esfrie radicalmente. As cartas resposta de seu pai foram se tornando escassas, mas apesar disso ele arquivou todas as de seu filho na biblioteca nacional portuguesa e elas se tornaram uma importante fonte histórica. De 1811 a 1813 o tom das cartas era de repulsa pelo Brasil, a partir de 1814 o tom se modifica apresentando um país lindo e acolhedor. Essa mudança no pensamento de Marrocos tinha nome, Anna Maria, uma carioca filha de uma brasileira com um português. Segundo o arquivista o único defeito de Anna era ser brasileira. A notícia do casamento foi dada aos seus parentes dois meses após o enlace, o que os deixou revoltados. Juntos tiveram três filhos enquanto ele enriquecia e prosperava no Rio de Janeiro. Chegou a tornar-se um alto funcionário do Imperador Pedro I. Em 1824 se afastou definitivamente da biblioteca nacional. Na véspera do retorno da corte, em 1821, Marrocos tentou convencer sua família a mudar-se para cá. Portugal se tornara o velho, a decadência, enquanto que o Brasil se tornara o novo, a riqueza.
No serviço de genealogia dos mórmons americanos existe uma filha de Joaquim: Joaquina dos Santos Marrocos, nascida três meses antes de seu casamento. Este caso é interessante porque a menina foi registrada com nome e sobrenome de sua família genealógica, o que era um caso mais do que raro. Joaquina foi deixada na “roda dos enjeitados”, local onde as crianças eram deixadas para adoção preservando o nome de sua família, geralmente eram filhas de ricas mães solteiras, esse objeto foi trazido de Portugal. O Santíssimo Sacramento onde a menina foi batizada era uma das mais antigas irmandades do país e tinha o costume de dar assistência a estas crianças que não podiam ser aceitas pelos costumes da época que não aceitava filhos extraconjugais.