(Capa da obra) |
O livro Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil é uma obra produzida pela renomada historiadora brasileira Mary Del Priore. A autora é conhecida por se preocupar com novas abordagens historiográficas partindo dos pequenos acontecimentos para enfatizar assuntos inéditos. Nesse livro ela percorre a intimidade dos lares brasileiros revelando detalhes curiosos acerca da vida a dois no país. Confira um pequeno resumo:
Da colônia ao império
Quando o Brasil ainda ocupava o posto de colônia portuguesa a situação das casas era precária. Os lares não ofereciam qualquer tipo de privacidade uma vez que nem as portas dos mais ricos possuíam fechaduras. Nosso país era muito atrasado em relação a Portugal. Das boas maneiras europeias a única que era respeitada aqui nos trópicos era a proibição de andar nu, tanto dentro quanto fora de casa.
Nessa época (idade moderna) a igreja católica proibiu as pessoas de tomarem banho nuas. Tanto homens quanto mulheres precisavam se banhar com os calções e camisolas que usavam como roupa de baixo. Já os religiosos foram definitivamente proibidos de lavar seus corpos através do Código Justiniano. Por causa dessa decisão o batismo foi alterado. Antes todo o corpo era imerso em água, essa prática foi trocada pela benção somente na testa como é feita até hoje.
Imagine o cheiro desses corpos mal limpos. A higiene praticamente não existia no Brasil até o século XIX. Algumas mulheres gostavam de passar almíscar nas partes íntimas afim de evitar o mal cheiro, mas os homens reclamavam. Pediam para elas deixarem sujo antes da relação sexual, se sentiam mais atraídos dessa maneira. No século XVIII várias mulheres pediram divórcio por não suportarem o odor.
Pra piorar a situação os penicos passavam a semana inteira sendo carregados dentro do quarto mal varrido e sem janelas. O único conforto vinha das substâncias odoríferas que eram queimadas pela casa para espantar os mosquitos e o cheiro ruim. Nessas condições até os casais mais ricos preferiam manter suas intimidades ao ar livre. No meio do mato se preveniam de cheiros ruins e olhares indiscretos
Durante o sexo os casais não tiravam as roupas. A igreja regulava até os casados afirmando que o ato servia somente pra procriação e por isso não devia envolver carícias. Os católicos tinham dias e posições certas para se relacionar. A mulher por cima como dominante ou de costas como uma fera era estritamente proibido. Elas não deviam sentir prazer porque eram consideradas homens defeituosos.
Em 1559 o clitóris feminino foi definido como um pênis mal formado. Dessa maneira as mulheres eram desprezadas ao máximo e serviam somente para gerar filhos. Os homens se atraíam por mulheres bem cobertas que mantinham seu pudor, embora não escondessem que durante os séculos XVIII e XIX a robustez e a morenice das indígenas fossem hipnotizantes.
As damas decentes depilavam as partes íntimas, já as prostitutas zelavam por bastante pelos acreditando que eles eram atraentes. As mulheres negras recebiam palavrões durante as intimidades, já as brancas desfrutavam de alguns galanteios. As brancas serviam pra casar, as mulatas pra fazer sexo e as negras pra trabalhar.
Os homens deviam ter prazer porque eram responsáveis pela procriação humana. Entre os séculos XVI e XVIII muitos eram submetidos a exames públicos de ereção. Mesmo contrariando os católicos os viajantes usufruíam de muita sensualidade nas terras que aportavam na Ásia e América aonde conheceram diversos afrodisíacos poderosos como o chocolate que despertava o prazer no século XVII.
A censura católica só fez aumentar substituindo o chocolate pelo café. Uma bebida quente que provocava o trabalho e o progresso. O amor erótico era tratado como uma doença desde o século XVI. As pessoas eram curadas até com sangrias porque acreditava-se que o sexo abreviava o tempo de vida e emburrecia os praticantes ao perderem muitos nutrientes nas secreções.
Secreções que só podiam ser feitas dentro do útero, fora deste local era considerado um pecado imperdoável. Falando assim até parece que os religiosos eram incorruptíveis, mas a história brasileira revela que a Reforma Católica demorou muito pra se instalar no país. Os casos sexuais de padres eram muito mais que comuns e ocorriam até nos confessionários.
As igrejas do século XVIII eram mal iluminadas e repletas de altares laterais que ofereciam um ótimo abrigo para práticas sexuais. O apagar das velas na quinta feira santa se transformava num grande entrelaçamento de corpos em busca de prazer. Afinal quem iria suspeitar deste local?
Um século hipócrita
Até o século XIX os escândalos amorosos da família real eram disfarçados, mas com a entrada de Dom Pedro I no poder a situação mudou. Casos fora do casamento se tornaram corriqueiros e nada sigilosos. A sociedade reprimira o sexo, mas era absolutamente obsecada por ele. Adultérios de uma noite ou de anos a fio (concubinatos) viraram moda no Brasil.
Os viajantes que conheciam nossas terras apontavam os repugnantes vícios brasileiros. Denunciavam as traições afirmando que as amantes conhecidas como teúdas ou manteúdas eram moda. Lamentavam a situação das esposas que se casavam jovens demais e por isso acabavam definhando rapidamente. As pobres consortes ainda eram obrigadas a educar os filhos ilegítimos do marido.
Após o casamento as mulheres não podiam manter sua vaidade, deviam se vestir somente de preto e abandonar o uso de perfumes, roupas novas, penteados elaborados e fitas no cabelo. Sem permissão para sair de casa por volta dos trinta anos de idade já eram idosas sofrendo com a obesidade. Entretanto muitas moças não conseguiam casar-se numa terra de poucos homens.
Para essas jovens o destino podia ser generoso se aceitassem o posto de manteúda de um rico fazendeiro, banqueiro, comerciante, etc. Esses homens poderosos mantinham várias amantes desse tipo e elas eram respeitadas na sociedade quando mantinham a discrição necessária. Era uma maneira de subir na vida.
Publicamente somente as mulheres eram obrigadas a ser fiéis, mas as ricas sempre arranjavam amantes jovens para satisfazê-las secretamente, já as pobres optavam pelo divórcio. Resumindo, pular a cerca era mais que comum, e a culpa era de quem? Das pessoas negras e mulatas que provocavam o desejo carnal desviando os brancos da conduta fiel.
Na época a pena para adúlteros era a morte enquanto que aos amantes cabia o degredo. Entretanto, na prática, as pessoas nunca eram condenadas por suas aventuras sexuais. Tanto que até mesmo entre os religiosos era comum conceber filhos sem receber nenhum tipo de punição. Alguns jornais como A Regeneração da ilha de Florianópolis denunciavam essas situações luxuriosas.
Com a chegada de Dom Pedro II ao governo o Brasil foi invadido pelas novidades francesas. As novas tendências eram a dominação masculina representada pelos bigodes chamativos e a consequente fragilidade feminina sustentada pelos espartilhos, anquinhas, penteados suntuosos e palidez exagerada acompanhados de mãos, pés e nucas provocantes á mostra.
O culto a mulata faceira ganha força, mesmo sendo uma figura pobre. Os médicos começavam a alertar que o útero era capaz de dominar o cerébro criando verdadeiras loucas por sexo conhecidas como ninfomaníacas ou histéricas. Essas mulheres recebiam tratamento de loucura e tinham seus desejos acalmados por médicos para evitar futuras traições ao marido.
Os mesmos médicos souberam aproveitar seus conhecimentos eróticos para escrever livros para leitores homens. No fim do século XIX os "livros para ler com uma mão só" circulavam pelo país repletos de histórias e desenhos picantes que terminavam com a morte da mulher fogosa servindo como lição de moral. Podemos considerar esses livros como as primeiras revistar pornôs do Brasil.
A preocupação médica aumentava junto com a disseminação dos prostíbulos. Esses locais ficaram populares por receber estrangeiras, sobretudo francesas, repletas de sensualidade dispostas a ensinar as delícias sexuais aos moços virgens. Acreditava-se que as prostitutas mantinham a saúde de casamento, elas podiam ser refinadas (cocotas) ou pobretonas (polacas).
Os médicos pediam para os homens economizarem o esperma indicando no máximo três relações por semana para os jovens, uma a cada três semanas para os que somavam uns cinquenta anos de idade e nenhuma para os mais velhos. A masturbação era vigiada e punida severamente. A esterilidade era pregada como uma pesadelo. Tudo isso para manter a força do corpo.
De pouco adiantaram os apelos médicos. Tanto que os casos homossexuais aumentaram e os "frescos" eram vistos como doentes de espiríto que necessitavam de tratamento moral. A sífilis se alastrou pelo Brasil, o responsável era o homem e um dos tratamentos indicados era a relação sexual com mulatinhas virgens. Acreditavam que elas limpavam o sangue do homem infectado.
Primeiras rachaduras no muro da repressão
Até o século XX os calções e camisolas de dormir possuíam aberturas para o ato sexual, assim o casal não precisava tirar a roupa na hora de dar continuidade á família. Entretanto o novo século chegou, a República instalada no fim do XIX trouxe muitas novidades que agilizaram o cotidiano: esportes, ginásios, teatros, danças, cinema, fotos, espelhos, exibição de corpos, entre outras coisas.
Com tantas mudanças as pessoas acabaram mudando também a sua maneira de pensar. Quando começou a Primeira Guerra Mundial por exemplo, as mulheres tiveram que trabalhar e precisavam de roupas confortáveis, por isso abandonaram os espartilhos e partiram pra cinta de borracha (recém descoberta). O metal usado nas armações dos vestidos seguiu pra produção de armas. Em 1913 o sutiã foi criado nos Estados Unidos da América.
E não foi só a roupa que mudou no universo feminino. A menstruação deixou de ser considerada uma doença e os paninhos usados para controlar o sangue foram deixados de lado graças a invenção de protetores de malha ou borracha. Aos poucos a sensualidade e a higiene viravam moda. Essa mulher moderna: magríssima, alegre, provocante e com cabelos curtos surgiu no teatro de revista por volta de 1920. Uma das precursoras no Brasil foi a inesquecível Dercy Gonçalves.
As tendências deixaram de vir de Paris. A moda agora vinha dos estúdios de Hollywood. As pessoas queriam ser como os atores dos filmes americanos: jovens e magros. Em 1908 foi lançado o primeiro filme pornô da história, mas possuir ou assistir um filme desse gênero se tornou crime sujeito a prisão. Em 1920 nos Estados Unidos da América foram criados quadrinhos com histórias pornôs. Quem eram os personagens? Pasme: Betty Boop, Mickey Mouse e Marinheiro Popeye.
A fotografia acabou gerando a pornografia no início do século XX em Paris. Já na Inglaterra os fotógrafos optavam por retratar as pessoas nuas em situações cotidianas como estender roupa no varal, era o naturismo tentando defender que o nu era natural e puro. Na capital, Rio de Janeiro, circulou entre 1900 e 1916 o jornal Rio Nu.
Era um verdadeiro sucesso entre os homens. A redação não possuía jornalistas porque era escrito por leitores. Continha piadas, cancões, poemas, caricaturas, anúncios de remédios, concursos de prostitutas e jogos de azar, tudo relacionado ao sexo para saciar desejos carnais que os maridos não podiam manter com suas esposas. Pela sociedade alguns médicos ousados começaram a sugerir o prazer simultâneo ao casal, era o super-matrimônio.
Em contra partida o governo tentava manter o pudor a todo custo. O presidente Vargas se uniu a Igreja para reforçar a necessidade do casamento. Os concubinatos viraram crime. As mulheres de família preservavam a virgindade para a noite de núpcias. Em 1930 a educação sexual se tornou uma necessidade para evitar doenças entre os homens e preparar as mulheres para a gravidez. As escolas possuíam salas aonde se verificava a higiene íntima dos estudantes.
Olhares indiscretos
Até o século XIX a Igreja não recriminava o aborto de fetos masculinos com até 40 dias e femininos com até 80 dias, a menos que fosse fruto de uma relação extra-conjugal. Os religiosos afirmavam que neles ainda não existia alma. Por outro lado o governo brasileiro via essa prática como um atraso social considerada crime desde 1890.
A primeira década do século XX manteve essas e outras contradições. O exagero de festas ritmadas exibiam mulheres provocantes, sobretudo no carnaval, mais conhecido como bacanal. Nessas ocasiões os desejos afloravam provocando repulsa nos conservadores. Mas aos poucos surgia um desejo ainda mais repugnante: o amor por meninos. Os pederastas (pedófilos) ganhavam espaço..
Pesquisas apontavam que quanto mais velho fosse o abusador, mais jovem era sua vítima. A medicina afirmava que a pedofilia era causada por embriaguez ou traumas passados. Só em 1915 o governo brasileiro sancionou uma lei contra o abuso de menores (jovens até 21 anos na época). Felizmente esses homens eram minoria, os bons pais de família começavam a entrar em alta.
Com o fim das guerras os homens largavam os duelos para se tornarem burgueses educados, trabalhadores e fortes. Esse novo modelo masculino devia ostentar cicatrizes de herói, praticar esportes e quem sabe até fisioculturismo. Eram os trabalhadores úteis ao país, um esteriótipo vindo de Hollywood. Do outro lado estavam os "almofadinhas", homossexuais que não construíam família para sustentar o Brasil.
O governo lhes tratavam como criminosos, anormais, bodes expiatórios durante batalhas. Eram alvo de aplicações de insulina, internações e cirurgias de troca de testículos numa tentativa de mudar sua orientação sexual. Entre as décadas de 1930 e 1960 esses jovens buscaram refúgio em pequenos apartamentos nas cidades movimentadas. Lá as "bonecas" podiam receber seus "bofes" em relativo segredo.
As mulheres, com o fim da 2ª Guerra Mundial, deviam voltar para sua casa onde cuidavam de suas famílias. Os jornais da época diziam como elas deviam se comportar. Precisavam ser ótimas mães e cozinheiras. Deviam manter a paciência, ser doce e meiga, tratando seu marido com compreensão e jeitinho. Entrar num carro com um homem só era permitido após o casamento.
O cinema espalhava o desejo por um carro, mas também pelas lambretas, beijos e carícias. Em 1950 o desquite se tornava comum mesmo que um segundo casamento fosse proibido. Aos poucos a sociedade começava a tolerar os casais que não viviam um casamento oficial. O prazer começou a ser vivido junto com o amor. E a igreja? Esta agia como se jovens do interior e idosos não tivessem pecados.
As transformações da intimidade
As décadas de 60 e 70 trouxeram uma revolução sexual, era o direito ao prazer. A higiene bucal trouxe o beijo a relação sexual. A chegada do anticoncepcional, do rock e do movimento hippie empurravam as barreiras sociais. As festas estudantis, as boates e os motéis se tornam uma rotina rondada de palavrões. A saúde e a beleza começavam a se democratizar ao mesmo tempo em que a cultura de massa era produzida pelas televisões trazidas pelo milagre econômico de 64.
Artistas começavam a se expressar livremente e por isso mesmo foram vítimas da repressão. As pornochanchadas (comédias picantes) ganhavam a cidade de São Paulo e contavam com artistas do nível de Vera Fischer e Antonio Fagundes. Acreditasse que o governo as tolerava porque acabavam distraindo o povo que deixava passar despercebidos os atos de repressão do Estado. Mas aos poucos os filmes brasileiros foram perdendo seu público para os pornôs explícitos vindas do exterior.
A novidade vinda da França era o topless, perseguido cruelmente. Nas praias de São Paulo e Rio de Janeiro os homens criticavam até mesmo as moças moderninhas que perdiam toda a sensualidade ao exibir o corpo nos grandes biquínis da década de 60. A mulher independente de meados de 70 trabalhava fora de casa sem sentir vergonha por isso, mas acabava se tornando alvo de um marido enciumado. Ele cometia agressões e muitas vezes chegava ao suicídio sendo perdoado pela lei, pois estava defendendo sua honra.
Só em 1980 foram criadas as primeiras instituições voltadas a proteção das mulheres. As prostitutas começavam a lucrar em hotéis, em atendimentos a domicilio e até na beira das rodovias paulistas. Em 1987 organização um encontro para exigir seus direitos que até hoje não são atendidos. A face mais cruel da prostituição vem dessa época e ainda não tem solução: a venda de meninas pobres.
A pornografia infantil surgida nessa época e hoje ocupa o 3º lugar no ranking mundial. Perde somente para os Estados Unidos da América e Rússia. Um mercado que leva muitas crianças a sofrerem abuso sexual. O IBGE aponta que de cada 4 estupradores brasileiros, 3 são pais e 1 é padrasto da vítima.
Em 1975 veio a tona a primeira troca de sexo realizada no país. Ela havia sido realizada em 1871 e o médico acabou preso por um período a contra gosto de seu paciente. Só em 1997 esse tipo de alteração foi permitida e em 2008 passou a ser realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Um problema maior estava chegando para atormentar a saúde pública: a aids.
A doença chegou aqui por volta de 1980. Gays, drogados e artistas foram os culpados por essa calamidade. Por causa dela a abstinência, a monogamia e o corpo gorducho voltaram á moda. Só no ano de 2000 o povo conseguiu perceber que é possível viver com a doença, até então a pessoa contaminada estava designada a morte.
Desde 1980 o número de casamentos no país diminui, enquanto que o de divórcios aumenta sem parar. O Brasil está fadado ao fim das grandes famílias. Os homens estão apresentando crises de baixa estima. O individualismo caiu no gosto popular e esse narcisismo está construindo família de uma única pessoa. Uma realidade chocantemente rápida.
Para finalizar convido você a refletir sobre as alterações que os brasileiros sofreram em sua vida íntima nesses 500 anos de história. Leia a obra integralmente e formule sua opinião: como será nossa intimidade daqui a 20 anos? É um bom desafio pensar nisso não concorda? O livro vai lhe ajudar, além de ser uma leitura atrativa e leve. Confira.