quarta-feira, 25 de julho de 2012

Dom Pedro I, o indomável


(Caricatura de Dom Pedro I de autoria desconhecida)

          
Em doze de outubro de mil setecentos e noventa e oito, nasce, no Palácio de Queluz, Dom Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, fruto da conturbada relação entre Dom João VI e Carlota Joaquina. Era o inicio da vida de um cavaleiro atrevido que ingressaria na história brasileira repleto de idéias ousadas junto de uma incontrolável determinação, entretanto, a história brasileira insiste em lembrá-lo como um mero boêmio louco por mulheres que afronta qualquer resquício de admiração popular.
Reduzir uma figura pública a essa mediocridade chega a ser uma afronta já que suas características altivas surgiram ainda na infância. O menino que de tanto conviver com os serviçais acabou adotando muito de suas gírias era inegavelmente voluntário, inteligente, corajoso, versátil, instintivo e decidido. Essas qualidades lhe renderam um ótimo trabalho como soldado, uma carreira política apaixonada e uma capacidade de chefia carismática. Entretanto, como todo ser humano, ele detinha algumas características negativas, era muito nervoso, explosivo, um tanto volúvel, sofria sérias alterações de humor, era abatido por crises de arrependimento além de não se mostrar interessado pelos estudos.
Existem poucas informações sobre sua educação, mas a informação de que escrevia mal é bastante conhecida. Apesar de ter sido educado por cinco padres bastante competentes e eruditos, Pedro não tinha o mínimo interesse por obras literárias. De seus educadores parece que assimilou somente o hábito de renegar as bebidas alcoólicas e a devoção por Nossa Senhora, que por sinal já era adorada em sua família há gerações. Ao que tudo indica o mais próximo que chegou dos estudos foi o momento em que ingressou em duas facções maçônicas uma vez que as lojas maçons usam o conhecimento científico para aprimorar suas habilidades políticas conquistando prestígio e influencia na sociedade.
O imperador que chegou ao posto de grão mestre da loja maçônica Comércio e Artes tentou modernizar as leis e a sociedade brasileira e para alcançar seus objetivos lançou mão de um discurso liberal impactante. Sua bela oratória, sem dúvida alguma, veio desse convívio maçônico, o problema é que sua prática era evidentemente autoritária. Esse fato evidencia a contradição inegável desse governante que afirmou “tudo farei para o povo, mas não pelo povo”. Esse ar ditatorial que emanava pode ter vindo do homem que mais admirou: o grande estrategista Napoleão Bonaparte, o escritor Laurentino Gomes (2010, p. 113) evidencia:

Considerava Napoleão Bonaparte – o homem que havia forçado seu pai a fugir de Portugal, em 1807 – o “maior herói da História”. [...] Como seu ídolo, exerceu o poder com mão de ferro e não hesitou em demitir, prender, exilar e reprimir todos os que ousaram contrariar suas vontades.

A personalidade forte veio do berço. O garoto moreno, alto, de cabelo encaracolado, bigodes e costeletas fartas, olhos negros e marcas de varíola no rosto herdou o espírito indomável do sangue espanhol materno, assim como o apreço por longas cavalgadas controladas com chicote e a impaciência com os rituais da corte. Do benevolente Dom João VI recebeu o gosto pela música que anos mais tarde lhe levariam a compor alguns acordes do hino de independência brasileira, de seu pai lhe restou só isso ou quase nada porque era bastante diferente dele, afinal Dom Pedro gostava de tomar banho e praticar exercícios, hábitos que não faziam parte dos genes paternos.
Em público se apresentava elegantemente, mas dentro de casa circulava com chapéu de palha enquanto se deliciava com arroz, batata e abóbora acompanhadas de carne bovina ou suína, o seu prato predileto. Possuía um apetite voraz que apreciava as comidas simples. Aliás, simplicidade era uma de suas características marcantes, é possível afirmar que seus modos eram quase grosseiros já que costumava agir hiperativamente como um adolescente em férias desfrutando os prazeres da vida, era de farra, de noitadas e más companhias, mas todos sabiam que, acima de tudo, sua principal diversão eram as paixões avassaladoras.
Dom Pedro amou muitas mulheres, seu primeiro amor conhecido até o momento foi a bailarina Noemy Valency com quem teve um filho ainda na adolescência, o fruto do relacionamento era um belo garotinho que, infelizmente, acabou falecendo e foi mumificado para ser guardado junto ao pai em seu gabinete particular. Uma história sinistra de amor paterno. Mais tarde o imperador concebeu sete filhos legítimos com dona Leopoldina e um com a segunda imperatriz, dona Amélia, além destes nasceram ao menos treze filhos ilegítimos gerados em diversos relacionamentos extraconjugais, dos quais se destacou o escandaloso caso com Domitila de Castro Canto e Melo.
Domitila foi a preferida de Dom Pedro, nenhuma de suas amantes recebeu tanta atenção, presentes, condecorações e regalias. Ele não fez a mínima questão de disfarçar o romance que ficou conhecido publicamente. Essa paixão arrebatadora lhe fez cavalgar sessenta quilômetros para bater no ex-marido da amada, o levou a fechar o teatro que a barrou na porta além de escrever cerca de cento e setenta cartas amorosas repletas de humildade. Essas cartas revelam um tom paternal, às vezes infantil e outras bastante picantes, nelas o imperador brasileiro revelou traições à amada e seu profundo arrependimento além de confessar a preocupação que estava sentindo com uma doença sexual que havia contraído.
Quem mais sofreu entre tantas aventuras amorosas do imperador foi sem dúvida alguma sua delicada esposa austríaca, Maria Leopoldina Josefa Carolina de Habsburg que chegou ao Brasil em cinco de novembro de mil oitocentos e dezessete após casar-se por procuração com o herdeiro de nosso país. Embora tivessem nacionalidades e idiomas diferentes o casal se entendeu relativamente bem nos três primeiros anos do casamento, mas a imperatriz se desespera quando perde a atenção do marido para outras mulheres e acaba entrando em depressão profunda descuidando de sua aparência e perdendo o animo de viver.
Comer numa ala separada do marido e ser trancafiada por ele em seus aposentos durante noites e mais noites acabou se tornando insuportável, nem uma mulher nobre educada para suportar tudo em nome de sua família conseguia aguentar tamanha humilhação pública com tantas escapadas de seu conjugue e assim dona Leopoldina acabou falecendo em mil oitocentos e vinte e seis por motivos desconhecidos, talvez por maus tratos e desanimo completo. Logo o imperador aventureiro, que não pretendia passar muito tempo sozinho, tratou de enviar funcionários reais ás cortes europeias em busca de uma nova imperatriz, entre suas condições deixou bem claro: a moça não precisava ser demasiadamente nobre nem instruída, mas deveria ser formosa e virtuosa.
Encontrar uma princesa disposta a encarar um imperador mulherengo, governante de um país recém-fundado, e pior, um país americano, seria um grande desafio. Aproximadamente dez moças se negaram a aceitar o pedido, mas no fim da procura o resultado foi bastante favorável: “Com ajuda de seus diplomatas na Europa, o sortudo D. Pedro encontrou não apenas uma princesa virtuosa, mas uma mulher lindíssima na flor dos seus 17 anos.” (Gomes, 2010, p. 276). Para agradar ainda mais o imperador, Amélia Augusta Eugênia Napoleana de Beauharnais, era neta de Napoleão e tão linda ao ponto de fazê-lo passar mal durante o primeiro encontro deles.
Ao avistar a garota no convés do navio que a trouxe, em outubro de mil oitocentos e vinte e nove, Dom Pedro ficou tão encantado que acabou desmaiando. Na medida do possível ele foi bastante fiel á nossa segunda imperatriz, respeitando-a muitíssimo mais do que havia feito com sua finada esposa Leopoldina. Ele a amava muito, tanto que criou a Ordem da Rosa em sua homenagem representando o amor e a fidelidade. O casal viveu um período bastante harmonioso, mas fora de casa a vida do monarca brasileiro estava longe do que se pode chamar de pacífica, governar estava lhe saindo um desafio em tanto.
Logo após a volta de seu pai, Dom João VI, para Portugal o jovem príncipe regente iniciou seus trabalhos. Ainda que titubeante e contrário às ideias de independência brasileira ele se viu obrigado a tomar alguma atitude, para isso foi se fortalecendo aos poucos. As Cortes portuguesas lhe ameaçavam, exigiam que retornasse as terras lusitanas, zombavam de sua idade, não o respeitavam e lhe rebaixaram de príncipe regente do país para capitão general do Rio de Janeiro. Essa foi sem dúvida a maior afronta deferida a Dom Pedro que decidiu enfrentar as consequências e ficar no país tropical que aprendera a amar.
Em nove de janeiro de mil oitocentos e vinte e dois acontece o momento histórico denominado Dia do Fico, uma decisão ousada do jovem monarca que mudaria profundamente a história do Brasil. Ao saberem disso os revolucionários constitucionais de Portugal declararam guerra a colônia brasileira. Logo, passados apenas dois dias dessa declaração chega a nosso litoral o general Jorge de Avilez de Souza Tavarez acompanhado de dois mil homens, ao avistar a tropa imperial com dez mil soldados o português decide se retirar. Controlada a situação Pedro decide organizar seu governo para isso contou com a ajuda de José Bonifácio de Andrade e Silva.
O destino acaba enfraquecendo os ânimos do governante que, em quatro de fevereiro de mil oitocentos e vinte e dois, perde seu filho primogênito, João Carlos. Era a sina dos Bragança que lhes perseguiam tirando a vida do primeiro herdeiro homem como vinha acontecendo há séculos na família. Para piorar a situação, passado um mês e um dia dessa perda dolorosa, chega a Baía de Guanabara mais uma frota portuguesa com mil e duzentos homens comandados por Francisco Maximiliano de Souza. Dom Pedro os expulsou do país em pouco tempo e não se deixou abater pelos problemas que estavam surgindo.
Valente, alguns dias depois, em vinte e cinco de março, o príncipe regente foi para Minas Gerais acompanhado somente de dez homens determinado a sufocar uma rebelião separatista que se iniciava por lá, o que conseguiu de forma audaciosa e eficiente, provando sua habilidade militar. Dessa maneira, não foi nada surpreendente Dom Pedro receber o título de Defensor Perpétuo e Protetor do Brasil dois meses após o acontecimento. Após tantas resistências era preciso definir os rumos da nação. O Brasil equivalia a noventa e três territórios portugueses então o seu desafio era extremamente grande, mas o imperador não gostava de delegar funções, preferia ele mesmo se ocupar das tarefas, por mais simples que fossem.
Suas ideias para o governo eram bastante avançadas, pensava inclusive na abolição da escravatura, questão sobre a qual começou a se dedicar e escrever em mil oitocentos e vinte e três. O jovem príncipe sabia que não restava alternativa e ao receber o mensageiro Paulo Bregaro, em nove de setembro de mil oitocentos e vinte e dois, ás margens do rio Ipiranga com as últimas notícias de Portugal e da capital brasileira concluiu que não podia mais adiar os fatos, assim, aos vinte e três anos de idade, Dom Pedro declarou a Independência do Brasil causando espanto pelo mundo a fora. Agora lhe restava apenas arcar com as consequências de sua decisão.
Para um homem que era ótimo jogador, mas péssimo perdedor aguentar as críticas que poderiam surgir seria complicado. Temperamental, o príncipe sentia prazer em mandar e não aceitava desafios, sem duvida, essas não eram características favoráveis á um político, ainda mais, de um país recém-criado.  E com seu jeito autoritário ele seguiu em frente, ainda em dezoito de setembro de mil oitocentos e vinte e dois mandou criar novos símbolos nacionais. No mês seguinte, no dia de seu aniversario, foi aclamado Imperador do país no Rio de Janeiro durante uma bela cerimonia com ritual do beija mão, missa, pétalas de rosa além de cinco arcos triunfais, foi uma festa bastante tradicional ao estilo português, exatamente como ele não gostava.
Em primeiro de dezembro Dom Pedro é coroado imperador brasileiro iniciando definitivamente suas funções. Em junho de mil oitocentos e vinte e três convocou a Assembleia Constituinte, mas esta não concorda com algumas de suas ideias e acaba sendo dissolvida por ele em dezembro do mesmo ano. Afirma que deseja uma constituição “digna do Brasil e de mim”, ou seja, suas vontades deveriam ser aceitas inquestionavelmente. Isso aconteceu na segunda tentativa de escrever nossas leis, já que a segunda Assembleia foi escolhida pessoalmente por ele. A constituição foi elaborada em quarenta dias e o imperador outorgou o projeto em primeira instancia no dia vinte e cinco de março de mil oitocentos e vinte e quatro.
Enquanto governou o imperador agiu como um verdadeiro equilibrista entre Brasil e Portugal, viveu sempre dividido entre os dois países e talvez seu coração português tenha provocado sua ruina. Manteve a cordialidade com seu pai mesmo após a separação do reino por isso optou por comprar a independência para evitar novos problemas, mas se negou a tornar isso público transformando a indenização em um segredo entre pai e filho, afinal, ele nunca admitiria tamanha fraqueza. Assumir seus erros e enfrenta-los não era seu ponto forte, tanto que, após cometer sérios deslizes como se envolver em diversos escândalos na vida particular, perder a guerra na província Cisplatina, agir ditatorialmente, entre outras coisas, ele decidiu abdicar.
Chegou a pensar em reinstituir o absolutismo, mas era tarde demais, pois já havia sido excomungado pelo Papa. O jeito era retornar á Portugal para cuidar do trono deixado por seu pai. Assim, ás escondidas, aproximadamente às três horas da madrugada de sete de abril de mil oitocentos e trinta e um ele entregou sua carta de abdicação ao major Miguel de Frias e saiu com roupas civis, deixando quatro filhos sobre os cuidados de José Bonifácio sem sequer se despedir. Em doze de outubro ao trocar de navio ele mesmo carregou sua bagagem demonstrando seu estado de derrota. Meses depois nas cartas que enviou ao filho, Dom Pedro II, é possível observar o quanto havia amadurecido.
Não podia escrever muita coisa aos filhos porque as correspondências eram seriamente controladas, afinal, eram figuras politicas importantes e o sigilo deveria ser mantido para o bem dos dois países. Numa carta repleta de saudade Pedro II pede ao pai uma pequena mecha de cabelo revelando o sentimento repreendido entre pai e filho. Enquanto isso em Portugal Dom Pedro teve de enfrentar seu irmão Dom Miguel que desejava tomar o trono para si. Quando criança os dois costumavam brincar de batalhas diariamente sem nunca imaginar que anos mais tarde estariam se enfrentando drasticamente em batalhas reais. Miguel que era muito conservador não aceitou a proposta de se casar com sua sobrinha e assumir um governo constitucional liberal.
Em mil oitocentos e trinta e dois Miguel declarou guerra contra o irmão espalhando o terror por Portugal durante dezenove meses. Dom Pedro começou as campanhas sem dinheiro, se impondo e em seguida amenizando a situação e dessa maneira conseguiu a vitória fazendo Miguel se render em exilio, assim Dom Pedro deixou Dona Maria II governando Portugal e Dom Pedro II o Brasil. O governante memorável que recusou as coroas da Espanha e da Grécia acaba falecendo em vinte e quatro de setembro de mil oitocentos e trinta e quatro nos braços de sua esposa Amélia vítima de tuberculose, antes disso, como nunca se dava por vencido, ele mesmo organizou seu funeral e enterro enquanto agonizava. 

Um comentário:

JAMESON LIMA disse...

Parabéns professora pelo blog, vou virar um leitor assíduo.